domingo, 22 de julho de 2007

JORNAL DE NOTICIAS – CIDADÃOS GRITAM A UMA NOVA VOZ

Cidadãos gritam a uma nova voz


Caiu o cavaquismo ao som de um buzinão? Os cidadãos tornam as estradas mais seguras? Ganham-se em protestos de rua os autocarros perdidos e os apeadeiros desactivados? Mais do que responder a perguntas destas, gostaríamos de ver esclarecida outra dúvida, a de saber se o crescendo do número de movimentos de cidadania, facilmente inteligível, pode significar mudança de atitudes ou, até, maior permeabilidade do sistema político a protagonistas de origens alternativas. Há pistas, faltam certezas.

Tomemos o exemplo de Manuel João Ramos, antropólogo que ganhou visibilidade na Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M, ver peça na página 4), recentemente eleito vereador da Câmara de Lisboa. Ele mesmo nega haver uma relação causa-efeito, dizendo ter ido "a reboque" da notoriedade de Helena Roseta. Pela experiência, pensa que o sistema pouco mudará "Temo que os partidos não tenham aprendido nem aprendam com este acto eleitoral, prevalecendo a lógica dos 'jobs for the boys' e do jogo político interpartidário".

Não nos adientemos, concentrando-nos, para já, na natureza do fenómeno. Movidos pela proximidade dos problemas, os cidadãos agem por conta própria, criando, quase por tudo e por nada, "comissões de utentes", "associações de utilizadores" e toda a sorte de agrupamentos, mais ou menos espontâneos, mais ou menos organizados, amiúde sem enquadramento legal.

O sociólogo Alcides Monteiro, docente da Universidade da Beira Interior e investigador do associativismo, encara o fenómeno (pouco estudado e ausente das estatísticas) como um "mecanismo de substituição", que tem de ser encarado em relação com a "diminuição das filiações tradicionais, por exemplo em sindicatos ou em partidos". É nítido, porém, que é a circunstância de estes movimentos surgirem em torno de "causas concretas" que permite "uma identificação mais clara, rápida e pragmática" das pessoas.

A passagem de membros deste tipo de movimentos a outro tipo de associações, ou até partidos, não é, fenomenologicamente, uma surpresa. Como nota Alcides Monteiro, "o trânsito de umas para as outras sempre existiu" e, ainda, "quem participa nestas contestações acaba por alimentar o espírito crítico". Também não é novo o aproveitamento que pode ser feito por grupos políticos tradicionais. Historicamente, podemos referir a forma como o PCP se infiltrou em estruturas corporativas como os sindicatos nacionais, no estertor do Estado Novo, e o sociólogo lembra que "todas as organizações são sempre organizações de interesses", se bem que, para uma mesma causa, se assista à "mobilização de pessoas com as mais variadas pertenças".

Mas estará neste aparente crescendo de cidadania um alfobre das estruturas partidárias do futuro? José Pacheco Pereira, político marginal na medida em que se distancia discursivamente da unicidade partidária, viu a abstenção nas "intercalares" lisboetas como um alerta. "Não é só contra o Governo, é também contra o sistema político-partidário, mas é um voto de protesto. Claríssimo", escreveu, no blogue "Abrupto". Já Manuel João Ramos, o "outsider", não crê que os resultados das listas "independentes" signifiquem mudança "Há um esforço de adaptação dos partidos, no sentido de cooptar independentes e movimentos, mas há pouca cedência a uma maior participação".

As organizações cívicas, entende Manuel João Ramos, movem-se e mover-se-ão em águas profundas, pouco escrutinadas pelos jornalistas que fazem política "Os partidos alimentam-se da Comunicação Social, e a Comunicação Social alimenta-se dos partidos", diz, caracterizando os partidos como "fábricas de emprego" em que impera "total ausência de imaginação": "Todos têm uma cassete, até o Bloco de Esquerda. Os partidos foram armadilhados pela aceitação acrítica da ideia europeia".

Pedro Olavo Simoes / Pedro Correia - JN

http://jn.sapo.pt/2007/07/22/tema_de_domingo/cidadaos_gritam_a_nova_voz.html

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